As lágrimas do menino-boto – por Marquelino Santana

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Às margens estetizantes do rio Mamu, na reluzente floresta pandina boliviana, estava uma bela e deslumbrante criança, celebrando em devaneios cintilantes as águas que silenciosamente banhavam os seus pés nas proximidades do velho tapiri onde morava.
 
Sempre que a criança estava triste o menino-boto aparecia e ambos nadavam sorridentes na maior felicidade nas águas prazerosas e vivificantes daquele mavioso rio fronteiriço da fronteira Brasil – Bolívia. A cena era tão majestosa que o pai-da-mata sorria, a mãe-da-seringueira dançava, o caboclinho-da-mata pulava e o velho-da-canoa como sempre ficava feliz por atender aos desejos de uma criança que antes de se encontrar com o menino-boto estava solitária e tristonha.
 
Durante a noite no seringal “Potossi”, o pai da linda criança, adormecido em sono profundo sonha como o velho-da-canoa. O velho-da-canoa aparece aos seringueiros brasivianos apenas enquanto eles dormem, e dessa forma na transcendental cosmogonia ribeirinha, o pai da criança recebe a seguinte mensagem daquele venerado ser mitológico: 
 
- A sua filha está doente. Ela está com malária e ardendo de febre. Você precisa levar a sua filha urgente para o Hospital de Extrema, pois “milicianos” armados estão chegando para prender todos vocês e roubarem toda a produção da nossa comunidade brasiviana.
 
O seringueiro acorda atônito e angustiado e imediatamente corre para a rede da filha para averiguar como ela estava. Ao encostar a sua mão no corpo da criança, ela estava ardendo de febre, e a família ficou atormentada com o estado de saúde da filha. Desesperados, os pais entram no batelão com destino ao distrito de Extrema, mas infelizmente os manifestantes que se intitulavam “campesinos” ou “Zafreros”, atravessaram cordas e correntes no rio Mamu para que nenhuma embarcação pudesse se deslocar do local de conflito, mais precisamente na comunidade Puerto Bolívar no Departamento de Pando.
 
A criança ficou agonizando por aproximadamente três dias numa rede armada no batelão. Ao redor da embarcação o menino-boto olhava tristonho para a criança e não entendia porque tamanha hostilização, infortúnio e absurdez entre os seres humanos. Por fim, ao sentirem a gravidade do estado de saúde da criança, os líderes do movimento autorizaram a passagem do batelão onde a criança agonizava esmaecida.
 
O menino-boto acompanhou a embarcação até o Porto Extrema no rio Abunã, onde o batelão ficou atracado. Com o corpo gelado a criança foi socorrida até o hospital regional, mas infelizmente já chegara sem vida. Diante de tanta dor e lamentação a família entra em derrocada e vai ao chão. Envolvido por um véu branco e divinal a criança levanta-se da sua fúnebre matéria, e como que se despedindo, beija os entes queridos e alça voo com destino às margens do rio Abunã para celebrar o último adeus ao menino-boto.
 
Ao ver a criança transformada em anjo, o menino-boto entra em desespero e fica estagnado sobre as águas sem demonstrar nenhuma reação, pois sabia que a benévola relação de amizade entre eles parecia ter chegado ao fim. O anjo lhe abraça e lhe beija, e pede para ele não ficar triste, pois irá viver feliz em outra dimensão da vida. No momento da viagem eterna, a natureza tomba entristecida.
 
O pai-da-mata se lamenta, a mãe-da-seringueira fecha as suas veias, o caboclinho-da-mata para de pular, o velho-da-canoa parou de remar, e a mãe-d’água brasiviana em profunda consternação recebe as comovidas e pesarosas lágrimas do menino-boto.
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