O legado da COP30 começa a aparecer nos negócios brasileiros. A Amazônia agora quer mostrar que não é só floresta: ali está também um dos maiores polos industriais do planeta que pode ensinar ao mundo como é possível preservar e, ao mesmo tempo, ser uma locomotiva de produção.
O CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas), pelas mãos de Régia Moreira Leite, coordenadora da Comissão de ESG da entidade, lançou o “Manifesto da Indústria da Amazônia para a COP30”, documento que reúne compromissos, dados e propostas estruturantes para uma nova rota de desenvolvimento verde no país.
"O Polo Industrial de Manaus está vivendo um despertar. Há um senso real de responsabilidade, quase um chamado para mostrar ao mundo que é possível produzir, gerar emprego e inovar sem destruir a vida ao redor", disse Régia, em entrevista exclusiva a esta coluna.
A indústria do Amazonas é responsável por 52% de todo o VBP (Valor Bruto de Produção) do estado. A ZFM (Zona Franca de Manaus) concentra 35,3% de toda a arrecadação tributária da Região Norte e o polo abriga mais de 600 indústrias de alta tecnologia, com 572.990 trabalhadores.
A seguir, Régia explica por que a Amazônia está longe de ser a periferia do mundo industrial: ela pode ser o eixo da solução climática global.
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Portal iG: Como a indústria amazonense pretende assumir o protagonismo na transição para uma nova forma de fazer negócios?
Régia Moreira Leite: Quando digo que a Amazônia não é espectadora, é protagonista, estou falando de algo que sentimos todos os dias vivendo aqui: a floresta nos lembra, a cada amanhecer, que ela não pode esperar. A indústria do Amazonas já nasce com uma responsabilidade diferenciada: operar no coração da maior floresta tropical do planeta. Esse contexto exige que sejamos mais do que espectadores, precisamos ser referência. A Amazônia não precisa ser vista como vulnerável. Nós estamos mostrando que ela pode ser forte, moderna e decisiva para a transição ecológica global. Esse protagonismo também passa por reconhecer que não existe transição ecológica global sem a Amazônia, a indústria instalada aqui pode ser a vitrine do mundo: produção de tecnologia, geração de emprego e PIB sem desmatamento.
Portal iG: A indústria do Amazonas pode ensinar ao mundo como funciona a sociobioeconomia?
Régia Moreira Leite: Sim, porque nós vivemos isso na pele. Aqui, 97% do território está preservado, mesmo com um polo industrial vibrante em pleno coração da floresta. Isso emociona, porque quebra um paradigma mundial: o de que desenvolvimento e conservação são inimigos. O modelo da Zona Franca mostra que dá para ter emprego, cidade, inovação, dignidade para milhares de famílias, sem derrubar a floresta que sustenta a vida no planeta e agora estamos entrando em um novo capítulo: aproximar indústria e bioeconomia, unir saberes tradicionais e tecnologia, transformar riqueza biológica em oportunidades para as pessoas. Nosso modelo ensina algo poderoso: uma economia só é sustentável de verdade quando protege as pessoas e o território ao mesmo tempo.
Portal iG: Qual a importância para a indústria amazonense da COP30 ter sido realizada no Brasil e na Amazônia?
Régia Moreira Leite: A COP30 aqui tem um significado profundo, é como se o mundo finalmente viesse ouvir o que a Amazônia tem a dizer e não falar apenas sobre ela. Para a indústria, isso representa a chance de mostrar que não somos um polo isolado no meio da floresta: somos um ator estratégico do clima global, um laboratório vivo de como produzir sem destruir. Foi a oportunidade de mostrar que a indústria daqui não está de costas para a floresta, está de mãos dadas com ela.
Portal iG: O que significa, na sua opinião, “desenvolvimento com a floresta em pé”?
Régia Moreira Leite: Para mim, significa respeito. Significa entender que a floresta não é uma barreira ao desenvolvimento, ela é o próprio caminho. Desenvolver com a floresta em pé é criar oportunidades para as pessoas sem destruir a base que sustenta nossas vidas. É transformar biodiversidade em ciência, inovação e produtos de valor, mas sempre com a consciência de que cada árvore, cada rio, cada comunidade tem um papel sagrado nessa equação. É garantir que a criança ribeirinha, o jovem das periferias de Manaus, os povos tradicionais e toda a população do Amazonas tenham futuro sem precisar escolher entre sobreviver e conservar. No fundo, isso significa acreditar que a floresta em pé vale mais do que qualquer projeto que a derrube. E significa trabalhar todos os dias, na indústria, na política pública, no território para comprovar isso na prática. A floresta em pé é a maior infraestrutura natural do Brasil e pode ser a base de uma economia moderna, inclusiva e globalmente competitiva.