1 – NÚMEROS MISERÁVEIS
O governo Lula da Silva (PT) não pára de comemorar. O número de miseráveis no Brasil diminuiu em aproximadamente seis milhões de pessoas no ano passado, uma queda de 15,2% em relação a 2005, de acordo com dados divulgados na quarta-feira passada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). De acordo com a notícia, esta foi a primeira vez que o número de miseráveis ficou abaixo de 20% da população, desde que a FGV começou a realizar a medição, em 1992. Naquele ano, o percentual de miseráveis atingiu 35,16%. O estudo “Miséria, Desigualdade e Políticas de Renda" mostrou que em 2006 a quantidade de miseráveis atingiu 36,1 milhões de pessoas, o equivalente a 19,3% da população brasileira, contra 42 milhões no ano anterior (22,7%).
Pelos critérios da FGV, considera-se miserável uma pessoa que tem renda per capita domiciliar inferior a R$ 125 por mês. O levantamento revela que o Estado de Alagoas tem o maior percentual de miseráveis no Brasil (44,4%), enquanto Santa Catarina tem o mais baixo (4,6%). São Paulo apresenta o terceiro menor e o Rio de Janeiro, o sexto. A miséria de 2005 para 2006 manteve a trajetória de queda nas áreas rurais, e caiu ao nível mais baixo da série nas grandes regiões metropolitanas. Segundo a FGV, 14% da população nas grandes cidades é de miseráveis, contra 16,2% em 2005.
“As políticas dos anos 1990 foram pautadas para a pobreza no meio rural. Nos últimos anos, com o crescimento do emprego, a miséria metropolitana diminuiu”, disse o economista responsável pela pesquisa, Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da FGV. A pesquisa da FGV foi feita a partir da compilação de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006 do IBGE. A pesquisa da FGV mostrou também que, desde 1982, em anos eleitorais, a miséria cai 7,6%, mas no ano seguinte aumenta 3,7%. Pelos cálculos de Neri, seria possível erradicar a miséria no Brasil se cada brasileiro doasse ao governo mensalmente, de forma vitalícia, cerca de R$ 12,00. É formidável!
2 – META DO MILÊNIO
Principal interessado na reprodução da notícia, o governo federal não poupou recursos nem mediu esforços para manter o assunto na, por assim dizer, crista da onda, destacando-se entre a iniciativas tomadas com esse propósito uma entrevista com Marcelo Neri, colhida e difundida pelo país afora pela “Agência Brasil”, do sistema Radiobrás. Nela, o economista revela-se um verdadeiro prestidigitador de estatísticas e antecipa cenários dos mais promissores. “Olhando a distribuição de renda, os 50% mais pobres cresceram o seu bolo em 12% e os 10% mais ricos em 7,8%. Ou seja, o bolo cresceu para todos, mas com mais fermento entre os mais pobres. Quase atingimos a Meta do Milênio pela nossa linha de pobreza, que é uma linha alta, em metade do tempo do compromisso das metas de redução da pobreza fixado pela ONU para um prazo de 25 anos”, avaliou.
Conforme o material distribuído pela Radiobrás, o economista da FGV atribui a “significativa” redução da desigualdade no país a uma conjunção de fatores. Segundo Neri, “há, de um lado, um crescimento importante de políticas sociais focadas na pobreza, como o Bolsa Família, que é um programa que tem a capacidade de chegar nos mais pobres. Por outro, há a nossa carga tributária, que é grande, e que está dando a oportunidade de que o orçamento social brasileiro aloque recursos para os mais pobres”. Depois, ainda tem gente que reclama da CPMF.
Neri destacou outro fator importante nesta redução da desigualdade no país. "Ela conjuga uma recuperação econômica cada vez mais forte, com uma constante redução da desigualdade que vem desde 2001, o que é uma combinação bastante rara nos dias de hoje e não acontece na América Latina como um todo, nas mesmas proporções. A continuidade desta forte redução da desigualdade no país já completou meia década (de 2001 a 2006) – isto é algo inédito nas series históricas brasileiras. Oito pontos percentuais da população deixaram de ser pobres neste intervalo de menos de oito anos”, ressalta.
3 – OS NÃO MISERÁVEIS
Mas afinal, o que é deixar de ser miserável neste país? Para tentar responder, o repórter Sérgio Torres foi ver como vive uma família “não miserável”. Publicado na edição deste domingo (23) do jornal “Folha de S. Paulo”, eis seu relato: “As crianças não têm o que calçar, vestem-se todos os dias com as mesmas roupas, comem carne, quando muito, uma vez por semana, dormem no chão sem piso de um casebre sem banheiro e brincam em um riacho de esgoto. Mesmo assim, não são miseráveis, segundo metodologia da FGV”.
“Os cinco filhos (Jéssica, 16, Wanderson, 13, Taís, 11, Tainá, 8, e Jonatan, 4) e o neto Gabriel, de 8 meses, de Nilcéia de Lurdes da Silva, 35, vivem com ela e o companheiro Aílton de Oliveira, 34, em barraco pendurado em uma encosta no bairro Quilombo, próximo ao centro de Paracambi, município que, a 75 km do Rio, separa a Baixada Fluminense da região centro-sul do Estado. Somada, a renda familiar chega a R$ 1.000 por mês, o que dá R$ 125 por pessoa, quantia estipulada pela FGV para diferenciar o miserável do pobre. Nilcéia ganha R$ 800 mensais, trabalhando do início da manhã ao início da noite em um lixão, onde recolhe plásticos, papéis e metais vendidos para a reciclagem”.
“Há dois meses, Nilcéia deixou de receber o Bolsa Família, sem saber a razão (certamente por ter deixado de ser miserável, segundo os critérios governamentais). Desempregado, Oliveira faz biscates que lhe rendem os R$ 200 que garantem a retirada da família da miséria, conforme a pesquisa. Na prática, a diferença fixada pela estatística não existe, pois as crianças continuam na situação miserável que as acompanha desde a nascença”.
“Na última sexta, não comeram nada de manhã. O barraco da família não tem água. A luz é clandestina, puxada do poste da rua. O esgoto, uma vala negra que corre no quintal. As crianças só andam descalças. Pisam nos dejetos sem dar importância. É o chão delas, afinal.
Para trabalhar, o casal deixa as crianças com a filha de 11 anos. Às vezes, uma amiga de Jéssica, Sheila da Silva, 16, vai lá para dar comida aos pequenos. Quando não vai, Taís faz a comida. Quando não tem, roda o comércio para ‘pedir favor’, como diz”.
Se esta é a vida de quem não é miserável, como diabos, afinal, indagamos nós, estarão vivendo os 36,1 milhões de brasileiros que, segundo o governo, são miseráveis? O certo é que, sem se saiba bem por quê, mormente diante de relatos como esse, o governo Lula da Silva não pára de comemorar os bons resultados da política econômica e o espetáculo do crescimento. É o máximo!