O ETERNAUTA: Série argentina baseada em HQ de ficção científica é um espetáculo - Por Marcos Souza

O ETERNAUTA: Série argentina baseada em HQ de ficção científica é um espetáculo - Por Marcos Souza

Foto: Divulgação

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Desde o dia 30 de abril, está disponível na Netflix a série argentina O Eternauta, com seis episódios de uma hora cada. A produção é baseada em uma história em quadrinhos clássica criada por Héctor Germán Oesterheld (roteiro) e Francisco Solano López (desenhos), publicada originalmente de forma seriada entre 1957 e 1959. E, acredite, trata-se de uma série incrível, muito bem produzida, de um bom gosto notável e com efeitos especiais de cair o queixo. 
 
Esta é a primeira adaptação para as telas da obra — recentemente lançada no Brasil pela editora Pipoca & Nanquim em edição de luxo, com capa dura — que acabou se tornando um símbolo de resistência contra a opressão e os horrores da ditadura na Argentina, afetando tragicamente até mesmo o autor da história. 
 
Evito revelar muitos detalhes do enredo, pois a série traz reviravoltas impactantes, especialmente para quem não conhece a HQ. Além disso, a adaptação realizou alterações significativas na introdução e em alguns elementos da trama para atualizá-la aos dias atuais. 
 
 
Vale destacar que O Eternauta recebeu duas reinterpretações após sua publicação original: a primeira em 1969 e a segunda em 1976 — ano em que a Argentina enfrentava o auge da violência promovida pela ditadura militar. 
 
Para entender o valor simbólico da HQ, é importante contextualizar o momento em que foi criada. A história é uma resposta ao trágico ataque aéreo ocorrido em 16 de junho de 1955, quando um grupo militar dissidente tentou derrubar o presidente Juan Domingo Perón, bombardeando massivamente prédios em Buenos Aires, incluindo a Praça de Maio, onde ocorria uma manifestação de apoio ao presidente. O ataque resultou em centenas de mortos e feridos. 
 
Esse episódio marcou profundamente a população argentina, dividindo o país entre os conformistas e os resistentes — estes últimos, porém, careciam de organização coletiva para lutar pela liberdade ou mantê-la. 
 
Com essa mensagem, o autor da obra, Oesterheld, criou uma ficção científica sobre uma catástrofe global que leva a população argentina a uma crise pós-apocalíptica. A sociedade, então, precisa reunir forças para sobreviver e, em determinado momento, percebe que apenas por meio do coletivo é possível enfrentar os desafios impostos por essa nova realidade. 
 
A série 
 
dirigida e criada por Bruno Stagnaro, que assina o roteiro ao lado de Ariel Staltari (também presente no elenco) — capta com precisão essa essência. A adaptação constrói, de forma gradual, a ideia de que o individualismo não é capaz de vencer a crise iminente. 
 
A trama é simples e direta, mas com reviravoltas notáveis. Uma nevasca tóxica e misteriosa cobre Buenos Aires, matando instantaneamente quem entra em contato com os flocos. Ninguém pode sair às ruas sem proteção adequada, como máscaras ou trajes especiais. Paralelamente, o mundo entra em colapso: falta energia elétrica, as comunicações falham e o caos se instala. Tudo começa durante um encontro entre amigos no porão da casa de um deles, onde jogam truco e bebem uísque como forma de lazer. 
 
Entre os amigos está o ex-militar Juan Salvo — interpretado pelo excelente Ricardo Darín —, veterano da Guerra das Malvinas e marcado por traumas do conflito. Logo após o início do cataclisma, ele conquista a confiança do grupo e assume a liderança na busca por sua filha desaparecida. 
 
Ao sair sozinho pelas ruas cobertas de neve, repletas de cadáveres, veículos abandonados e sem energia, Salvo encontra sobreviventes escondidos em casarões e igrejas. Em uma dessas buscas, reencontra sua esposa, que se junta a ele na missão de encontrar a filha. Aos poucos, outras pessoas começam a aparecer na casa onde o grupo estava abrigado, e pequenos conflitos surgem entre eles. 
 
 
Enquanto isso, luzes estranhas e objetos não identificados caem do céu, surpreendendo a todos. Algo ainda mais inquietante parece estar acontecendo. 
 
Um dos elementos mais interessantes da adaptação, em comparação com a HQ, é a forma como a modernidade é incorporada. Considerando o uso atual de celulares, dispositivos digitais e veículos com injeção eletrônica, a série atualiza a narrativa para um contexto contemporâneo, mas com um toque engenhoso: apenas tecnologias analógicas — como rádios antigos e veículos mais velhos — continuam funcionando em meio ao colapso. Esses elementos se tornam cruciais para a sobrevivência do grupo. 
 
Os dois primeiros episódios servem como introdução aos personagens centrais, com o protagonismo bem estruturado em torno de Juan Salvo e sua jornada. Eles também exploram os espaços abertos de uma Buenos Aires devastada pela morbidez da nevasca tóxica, revelando uma ambientação sombria, branca e silenciosa — uma estética gelada que transmite desolação pura. 
 
O esmero técnico da série é impressionante. A fotografia aposta em planos abertos e panorâmicas que mostram a cidade morta, contrastando pequenos raios de sol com a claridade tétrica do abandono. As cenas noturnas, iluminadas apenas por velas ou luz natural, às vezes ficam excessivamente escuras, mas é perceptível que isso foi uma decisão artística para refletir o estado psicológico confuso e abalado dos personagens. 
 
O terceiro episódio marca a primeira grande reviravolta da narrativa, revelando o que, de fato, está por trás daquela tragédia apocalíptica. É nesse momento que também se percebe o alto padrão de qualidade dos efeitos visuais, com uma integração muito bem executada entre CGI e efeitos práticos — uma combinação rara de se ver com tamanha harmonia. 
 
A trama evolui para um conflito de grandes proporções, seguido por uma jornada de sobrevivência que envolve um motorhome, um shopping center tomado e a militarização de todos os envolvidos na busca por sobreviventes e por soluções para evitar o extermínio da humanidade. 
 
O último episódio da temporada traz uma segunda reviravolta, que complementa a primeira e deixa vários ganchos para a aguardada segunda temporada, que ainda será produzida, mas já está entre as mais esperadas do catálogo da Netflix. 
 
A produção teve um orçamento de 15 milhões de dólares. As filmagens aconteceram em locações reais de Buenos Aires, com o uso de telas azuis em pontos específicos, além de outras 38 locações ao longo de 148 dias de filmagens em 2023. Atualmente, O Eternauta é a série mais assistida na Netflix na América Latina — e em outros países também —, consolidando seu sucesso internacional. 
 
Triste e trágico foi o fim do autor de O Eternauta, Héctor Germán Oesterheld. Com o golpe militar de 1976 na Argentina, ele foi sequestrado no ano seguinte, aos 58 anos, e levado para centros clandestinos de detenção, como El Vesubio e Campo de Mayo. Por sua ligação com os Montoneros — grupo de resistência à ditadura —, foi assassinado no final de 1978. 
 
O que torna tudo ainda mais doloroso é saber que suas quatro filhas — Diana, Beatriz, Marina e Estela Oesterheld —, também integrantes dos Montoneros, foram sequestradas e mortas pelo regime. 
 
O Eternauta é, sem dúvida, uma das melhores séries lançadas este ano. Assista. 
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