BATALHA: Famílias de RO lutam para ter acesso a medicamentos feitos à base de maconha

Elas buscam garantir qualidade de vida para pessoas que sofrem dos mais diversos problemas de saúde

BATALHA: Famílias de RO lutam para ter acesso a medicamentos feitos à base de maconha

Foto: Divulgação

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A palavra maconha ainda inspira muita rejeição e críticas em nossa sociedade. De um lado temos grupos que defendem abertamente a liberação dessa droga de forma recreativa e sem qualquer risco de serem presos. Aliás, esse tipo de consumo já é comum em diversos países. 
 
No Brasil, essa questão da liberação ainda está sendo debatida em projetos de lei no Congresso Nacional que caminham a passos lentos. Mas existe uma parcela da população brasileira que depende da maconha para sobreviver e a espera para que políticos engravatados decidam sobre o assunto, pode representar, literalmente, a diferença entre viver ou morrer.
 
Estamos nos referindo a milhões de pessoas que fazem ou necessitam do uso medicinal do canabidiol, que é um óleo extraído da planta da maconha. Ele é conhecido também como CBD, e atua no sistema nervoso central, apresentando potencial terapêutico para o tratamento de doenças psiquiátricas ou neurodegenerativas, como esclerose múltipla, esquizofrenia, mal de Parkinson, epilepsia ou ansiedade, por exemplo.
 
Além desses, o canabidiol tem também revelado outros benefícios e propriedades farmacológicas, como ação analgésica e imunossupressora, ação no tratamento de AVC, diabetes, náuseas, câncer e efeitos sobre os distúrbios de ansiedade, do sono e do movimento, o que o torna uma substância com um grande potencial terapêutico.
 
Vale ressaltar, que o óleo de canabidiol possui THC em pouco quantidade, e já está sendo usado na prática clínica. THC é mais uma substância que faz parte da cannabis, dentro das 500 que encontradas na planta.
 
Médica
 
Em Rondônia, a médica Andrea Árabe, da cidade de Ji-Paraná, é uma das que prescrevem medicamentos à base de cannabis, que é o nome científico da maconha, para os pacientes dela. Ela trabalha há mais de cinco anos com esse tipo de remédio tendo feito pós-graduações sobre o assunto.
 
A doutora contou que começou a receitar cannabis, devido ao pai dela que é diabético e vendo os resultados positivos resolveu prescrever para os pacientes. Ela disse que existe uma lista com mais de 300 patologias em que receita medicamentos à base de cannabis. 
 
A médica Andreia Arábe é uma estudiosa da cannabis em RO, e receita medicamentos à base da planta aos pacientes
 
“Eu uso muito em epilepsia, autismo, Alzheimer, Mal de Parkinson, fibromialgia, dor crônica, doenças reumáticas, artrite, artrose, asma, HIV, glaucoma, esclerose, lúpus entre outras. A evolução dos pacientes, após, o uso da cannabis é sempre muito boa. Melhoram muito! É sempre bem positivo”, revelou.
 
Mesmo com todos os efeitos positivos apresentados pelos pacientes da médica, o acesso aos medicamentos à base de cannabis, como o canabidiol, no Brasil ainda é difícil devido à legislação e ao alto preço desses produtos. Ela afirma que é necessário mudar essa situação.
 
É preciso que a medicação fosse mais barata, pois, a que temos acesso no Brasil ainda é muito cara. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deveria liberar para que as empresas, não apenas importassem a matéria prima, mas, pudessem plantar, o que seria ideal. É interesse também que as pessoas tivessem mais informações sobre os benefícios do cannabis, e parassem de ter preconceitos bobos. Entendessem que há muito tempo, elas tomam remédios como Tramal, que vem da codeína, que é um derivado da cocaína, assim, como anestésicos que usam para operar. Então, por que não podemos tomar um remédio à base de cannabis, que é da maconha?”, questionou.
 
Andrea Árabe contou que nunca percebeu qualquer atitude preconceituosa por defender o uso de remédios à base de maconha para os seus pacientes. Ela disse que quando é questionada sobre o assunto, procura responder com base no que estudou em relação à maconha.
 
“Nessas situações eu dou a resposta científica para essas pessoas. Se os meus pacientes melhoram, então, para mim, melhor que isso, só dois iguais a isso. O cannabis existe e é um remédio 100 % natural, não causa os efeitos colaterais que os alopáticos causam. O Governo Federal precisa entender que precisamos dessa medicação e não podemos ser excluído desse mercado que funciona, pelo fato de sermos brasileiros. Temos que usar coisas que tragam melhorias ao nosso povo”, disse. 
 
Quem quiser falar com a médica para se informar sobre o canabidiol e outros medicamentos derivados da maconha, pode contactá-la pelo telefone 69 9 9981-5242.
 
Exemplos
 
A senhora Alzira Voigt enfrentou uma longa batalha judicial para garantir que a filha dela, hoje com 31 anos, pudesse ter acesso ao canabidiol. A mulher sofria de uma série de complicações de saúde, antes de começar a ser medicada com o óleo: autismo, epilepsia, surdez, muda, usava cadeiras de rodas, sendo totalmente dependente.
 
A mãe conta que o canabidiol representa saúde e qualidade de vida. Ela lembra que o óleo foi um divisor de águas na vida da família. Antes da filha ter acesso ao canabidiol, era totalmente dependente de outras pessoas para tudo e os remédios da medicina convencional não resolviam as crises e ainda geravam sobrepeso.
 
“Ajudou na comunicação, se tornou mais sociável, melhorou a higiene pessoal, melhorou o sono, tornou ela mais passiva, cessaram as crises epilépticas noturnas,   controlou o peso e teve avanços cognitivos. Antes via a maconha como uma droga, hoje vejo como uma medicina. É preciso a regulamentação do uso medicinal da cannabis, garantido o direito ao cultivo pessoal, associativo e industrial. Já me ligaram pedindo socorro, às 2h da madrugada, chega a ser angustiante ver o sofrimento e desespero do próximo”, relatou.
 
A esteticista Letícia Vargas, 45 anos, moradora de Ariquemes, também considera o canabidiol foi algo superpositivo que aconteceu na vida da neta. Ela disse que a menina tinha de 3 a 5 convulsões todos os dias e que, hoje, não tem nenhuma. Mas para aceitar dar um remédio feito da maconha, não foi um processo fácil, precisou quebrar preconceitos.
 
“Minha neta faz uso há 5 anos, atualmente, continua tomando o óleo e outro medicamento passado pelo médico. Quando ele receitou este fitoterápico, por saber que vem da maconha, eu não aceitei de cara, levei seis meses para aceitar. A cannabis tem benefícios e que só fazem bem como qualquer outro medicamento. O resultado pra mim foi positivo. Mas, nem todos os médicos conhecem os benefícios que este fitoterápico faz e como muda a vida das pessoas”, afirmou.
 
O canabidiol também fez a diferença na vida das irmãs Kamila Vitória Simão Mota, que tinha 16 anos e faleceu no ano passado; e de Kaliny Simão Mota, também de 16 anos. A primeira tinha hidrocefalia congênita e cardiopatia e a segunda tem paralisia cerebral. A família mora em Ariquemes.
 
A mãe das meninas, Suzy Simão de Jesus, contou que descobriu o canabidiol, através de um médico que cuidada da kamila após ela ter uma crise muito forte. O profissional diante do sofrimento da menina, falou sobre a canabis e disse que na cidade tinha uma senhora com uma filha com os mesmos problemas de saúde, que usava e estava tendo bons resultados.
 
“Procurei a mesma e comecei a usar o óleo. No começo pensei que não iria fazer efeito, mas com o tempo as crises foram cessando e melhorou a qualidade de vida delas. Antes, elas tinham muitas crises e ficávamos noites sem dormir, quebravam tudo dentro de casa. Era muito sofrimento! Muitas pessoas me procuram para saber sobre esse tratamento”, relatou.
 
O canabidiol também ajudou a aliviar as convulsões da senhora Dulce Soares, que começou a usar o óleo faz seis meses. Ela contou que teve a ajuda de uma irmã para ter acesso ao remédio, e defende que deveriam liberar para que mais pessoas tivessem acesso. “Poderia liberar para mais pessoas poderem fazer uso. O canabidiol é muito eficaz também para quem tem outros problemas de saúde”, disse.
 
Em Rondônia, existe a Associação Cannabis Medicinal de Rondônia (Acamero), sediada em Ji-Paraná, que esclarece e dar apoio às pessoas que necessitam ter acesso ao canabidiol. O diretor executivo da instituição, Grieco Lidoni, diz que hoje a entidade conta com 50 associados, mas atende muitas pessoas da região Norte, que não chegam a se associar. 
 
“Realizamos atividades de informação, pesquisa, ativismo, encaminhamento para médicos prescritores, atendimento médico gratuito para associados hipossuficientes, cursos e consultoria de cultivo e extração de óleo de cannabis, assessoramento em ações de custeio de saúde, pedidos de habeas corpus e demais ações necessárias à promoção de saúde através da cannabis”, informou.
 
Perguntado sobre quais os problemas de saúde mais comuns dos que procuram a Acamero, ele relatou que há muitos casos de epilepsias refratárias acompanhadas ou não de autismo que poderiam ser tratadas com maior efetividade, menos efeitos colaterais e menor custo através da cannabis. 
 
“Assim como casos de dor crônica, fibromialgia, tratamento coadjuvante de câncer, esclerose, alzheimer, Parkinson entre outros”, ressaltou.
 
 
 
A cannabis é indicada para o tratatamento de mais de 300 tipos de males da saúde
 
Liberados
 
A mobilização da sociedade em prol do acesso a medicamentos à base de canabidiol começa a surtir alguns efeitos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está, aos poucos, liberando alguns desses produtos para a comercialização no mercado brasileiro. Porém, o valor ainda é muito alto para a maioria da população brasileira que necessita deles.
 
Com as novas autorizações da agência, subiu para 18 o número de produtos medicinais à base de Cannabis com utilização e venda liberadas no Brasil. Desse total, oito medicamentos são produzidos a partir de extratos de Cannabis sativa e dez têm como princípio ativo o fitofármaco canabidiol, substância também extraída da planta Cannabis. 
 
A Anvisa está liberando aos pouco medicamentos derivados da maconha no Brasil, mas o preço deles ainda é muito alto
 
Os Produtos à base de Cannabis aprovados pela Anvisa até o momento são: Extrato de Cannabis sativa Greencare (160,32 mg/mL); Extrato de Cannabis sativa Mantecorp Farmasa (160,32 mg/mL); Extrato de Cannabis sativa Mantecorp Farmasa (79,14 mg/mL); Canabidiol Prati-Donaduzzi (20 mg/mL; 50 mg/mL e 200 mg/mL); Canabidiol NuNature (17,18 mg/mL); Canabidiol NuNature (34,36 mg/mL); Canabidiol Farmanguinhos (200 mg/mL); Canabidiol Verdemed (50 mg/mL); Canabidiol Belcher (150 mg/mL); Canabidiol Aura Pharma (50 mg/mL);  Canabidiol Greencare (23,75 mg/mL); Canabidiol Verdemed (23,75 mg/mL); Extrato de Cannabis sativa Promediol (200 mg/mL; Extrato de Cannabis sativa Zion Medpharma (200 mg/mL); Extrato de Cannabis sativa Cann10 Pharma (200 mg/mL); Extrato de Cannabis sativa Greencare (79,14 mg/mL); Extrato de Cannabis sativa Ease Labs (79,14 mg/mL); Canabidiol Active Pharmaceutica (20 mg/mL) (CESÁRIO, 2022, n.p).
 
Decisão
 
No dia 14 de junho de 2022, uma decisão inédita foi tomada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por unanimidade, foi dado parecer favorável para que três pacientes do Estado de São Paulo tivessem o direito de cultivar cannabis sativa para uso medicinal. Nos casos, os requerentes sofriam com doenças como depressão, fobia social, diabetes e outras problemas psiquiátricos.
 
O ministro do STJ, Rogério Schietti, foi o relator de uma das ações e ele defende que o tema maconha medicinal seja tratado pela sociedade, incluindo o Poder Judiciário, de maneira direta e clara. Em reportagem do Jornal Folha de São Paulo, do dia 14/06/2022, sobre o tema, ele fez a seguinte afirmação:
 
“Paremos com preconceitos, paremos com esse moralismo que atrasa o desenvolvimento do tema no âmbito do Poder Legislativo e que muitas vezes obnubila o pensamento de juízes brasileiros que não enxergam a necessidade de preencherem essa omissão do Estado" - Rogério Schietti Cruz, ministro do Superior Tribunal de Justiça
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