Só 27% dos médicos sabem reconhecer a sepse, infecção que matou modelo, diz pesquisa

O Brasil, ao lado da Malásia, lidera o ranking de mortes por essa doença

Só 27% dos médicos sabem reconhecer a sepse, infecção que matou modelo, diz pesquisa

Foto: Divulgação

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Um estudo do Ilas (Instituto Latino-Americano de Sepse) com 917 médicos de 21 hospitais brasileiros (públicos e privados) concluiu que apenas 27% deles sabem diagnosticar corretamente a sepse, conhecida como infecção generalizada. O Brasil, ao lado da Malásia, lidera o ranking de mortes por essa doença, com 250 mil óbitos por ano, segundo pesquisa feita em 37 países em 2005.

A sepse é uma resposta inflamatória exacerbada do organismo a uma infecção. Uma infecção urinária, como a que levou à morte a modelo capixaba Mariana Bridi, 20, pode ser curada com um simples antibiótico --o que ocorre na maioria dos casos--, mas também pode evoluir para sepse grave, que, se não diagnosticada logo e tratada corretamente, pode matar.

A chave para o tratamento correto é o médico saber reconhecer se determinada infecção vai evoluir para sepse grave. Por exemplo, se uma pessoa chega ao pronto-socorro com uma infecção e, ao mesmo tempo, apresenta taquicardia e aumento da respiração, o quadro já pode ser crítico, e o médico deve iniciar uma série de intervenções, como hidratação com soro, controle da pressão arterial e antibioterapia.

No estudo do Ilas --baseado na tese de mestrado do médico Murilo Assunção--, os médicos receberam um questionário com casos clínicos diferentes e tiveram de identificar em quais situações eles se enquadravam. A maioria dos profissionais avaliados (92%) soube identificar uma infecção simples e o choque séptico (81%), uma situação extremada de sepse que mata 70% dos doentes. Mas só 27% souberam reconhecer a sepse. A sepse grave foi identificada por metade deles (56,7%).

"Esse desconhecimento é algo muito sério, um problema que acontece todos os dias nos hospitais brasileiros, mas, como não afeta modelos ou pessoas de maior notoriedade, fica invisível", diz o médico Eliezer Silva, vice-presidente do Ilas e médico da equipe da UTI do hospital Albert Einstein.

Segundo ele, o que mais chamou a atenção no estudo foi o fato de que metade dos médicos não soube identificar a sepse grave. "Nessa situação, quando pelo menos um órgão já está em falência ou a pressão arterial está muito baixa, a mortalidade é de quase dois terços. Se o caso não for diagnosticado e tratado corretamente no pronto-socorro, será mais difícil revertê-lo na UTI."

No Brasil, a taxa de mortalidade por sepse é mais crítica nos hospitais públicos (52% contra 40% na rede particular), segundo dados do Ilas. O doente com sepse do sistema público também demora mais no pronto-atendimento antes de ir para a UTI --24 horas contra seis horas do paciente internado em hospitais particulares.

Segundo plano

A médica Flávia Machado, chefe da terapia intensiva do Hospital São Paulo e presidente do Ilas, avalia que a sepse esteja sendo relegada a segundo plano em todos os níveis. "Pelo governo, que não dá o devido valor ao problema, pelo público, que desconhece a doença, e pelos médicos que não são capacitados para reconhecê-la e atrasam o diagnóstico."

Machado conta que um outro estudo, feito em hospital público, mostrou que o paciente pode ficar até dois dias sendo tratado incorretamente --com base em outras hipóteses diagnósticas-- até ter a definição de sepse. "Um pouco de soro fisiológico e de antibioterapia dados no tempo correto salva vidas e economiza dinheiro."

Segundo ela, é comum o médico não suspeitar da sepse mesmo quando um paciente apresenta uma disfunção orgânica. "Você pode ter um paciente idoso internado que, de repente, apresenta um quadro de confusão mental. O médico suspeita de delírio hospitalar, que também é bem comum, mas pode ser o primeiro sinal de sepse grave."

O sistema hospitalar brasileiro gasta anualmente R$ 17 bilhões com o tratamento da sepse --sendo R$ 10 bilhões com pessoas que acabam morrendo-, segundo dados do Ilas.

"Enquanto os sistemas de saúde não elegerem a prevenção da sepse como uma prioridade, vamos continuar gastando mal os recursos", observa Eliezer Silva.

O médico afirma que ao menos 25 hospitais brasileiros (de um total de cerca de 6.000) têm realizado treinamento permanente de suas equipes para o diagnóstico e tratamento correto da sepse e, com isso, reduziram em 10%, em média, suas taxas de mortalidade.

Experiência

Um exemplo bem-sucedido ocorreu no Paraná. Durante cem dias, quatro hospitais estaduais adotaram um pacote de tratamento que associava atendimento rápido ao paciente, medicação adequada e emprego de terapias padronizadas para sepse, de acordo com o que preconizam os organismos internacionais.

Segundo o médico Álvaro Réa Neto, presidente da Amib (Associação Brasileira de Medicina Intensiva) e que coordenou o estudo, foram acompanhados 180 pacientes graves internados nas UTIs desses hospitais. O índice médio de morte por sepse passou de 64% para 48%. "Estimamos que 28 pessoas tenham sido salvas nesse período", diz Réa Neto.

Para ele, a efetividade do tratamento está diretamente relacionada à precocidade com que se diagnostica a sepse. "Quanto mais cedo você reconhece a síndrome, mais cedo você é capaz de disparar as intervenções para diminuir a mortalidade."

Quadro que levou à morte da modelo é mais comum do que se imagina, diz médica

A sepse, problema que provocou a morte da modelo capixaba Mariana Bridi, 20, é uma das principais causas de óbito em ambiente hospitalar no Brasil. Todo ano são diagnosticados 400 mil casos no país, com 230 mil mortes, segundo a médica Flávia Machado, chefe da terapia intensiva do Hospital São Paulo e presidente do Instituto Latino-Americano de Sepse (Ilas). As causas mais comuns são pneumonia e infecção urinária.

Qualquer foco infeccioso pode levar ao quadro, que é uma resposta inflamatória generalizada do organismo à infecção. "Isso nem sempre significa que a infecção atingiu outros órgãos", esclarece a médica. Outro equívoco comum entre os leigos é achar que a sepse é consequência apenas de infecções hospitalares. Bactérias, vírus ou fungos contraídos na comunidade também podem ser a causa da enfermidade.

A consequência mais grave dessa resposta exacerbada à infecção é o chamado choque séptico: a pressão do paciente cai muito, prejudicando a oferta de oxigênio ao organismo. É a partir desse quadro que pode haver falência múltipla de órgãos e morte.

A necrose de extremidades do corpo também não é incomum nos casos de choque séptico, segundo a presidente do Ilas. Mas, em geral, apenas as pontas dos dedos são comprometidas.

A falta de vascularização nessas áreas, que leva à morte dos tecidos, pode ocorrer porque a sepse provoca alterações na coagulação sanguínea. "Mas também a própria queda de pressão e os remédios para controlar o quadro podem dificultar o fluxo de sangue nas extremidades, levando à necessidade de amputação", explica.

Machado afirma que a dificuldade em se diagnosticar a sepse não é um problema que ocorre apenas no Brasil. "Médicos intensivistas costumam reconhecer os sintomas, mas, muitas vezes, eles aparecem quando o paciente está em uma enfermaria, ou mesmo em casa", diz.

Por esse motivo, o Ilas participa de uma campanha mundial, iniciada em 2002, que tem como objetivo disseminar em hospitais um protocolo com medidas que devem ser tomadas sempre que há sinais da doença.

As intervenções devem ser feitas nas primeiras seis horas do quadro e incluem a administração intensiva de líquidos e soros e a terapia adequada com antibióticos. "Mas, infelizmente, nem sempre o diagnóstico precoce e o tratamento correto evitam a morte do paciente", avisa.

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