Com a elevação de Território para Estado, através da lei complementar nº 41, o governo federal criou uma nova unidade da federação no ano de 1981, outorgando poderes para autonomamente instituir seus poderes legislativo, executivo e judiciário, que decidem a respeito de assuntos locais sem nenhuma ingerência de autoridade externa, nascendo daí um novo Estado Federado, com população, porém foi desprovido do que é mais importante, o direito de ter o domínio sobre suas terras.
Para se entender com maior clareza a formação do Território e posteriormente a do Estado, remontamos historicamente o ano de 1933, com o início do projeto do governo federal para criação dos territórios federais, conforme estudo da sociedade de geografia do Rio de Janeiro/RJ, que havia sido encomendado pelo presidente Getúlio Vargas, sendo um deles o do Guaporé, nos sertões do Mato Grosso. O principal objetivo do governo na criação dos territórios era estimular a ocupação humana das áreas sub-aproveitadas economicamente, radicar o homem à terra e promover o comércio, conforme relata o próprio IBGE.
Já no ano de 1937, o capitão Aluízio Ferreira, delegado do governo federal na região do Alto Madeira, encaminhou ao presidente da república um documento subscrito por comerciantes e políticos de Guajará-Mirim, que solicitava a transformação da região em território federal, frisando que não incluía o município amazonense de Porto Velho, contemplando apenas terras matogrossenses e fronteiriças às dos Amazonas.
No dia 14 de dezembro de 1938, o governo federal baixou um anteprojeto de decreto-lei, dispondo sobre a criação de quatro territórios federais: Iguaçu, Rio Branco (Roraima), Amapá e Guaporé.
O coronel Aluízio Ferreira, a pedido de comerciantes de Guajará-Mirim, convidou o presidente Vargas para uma visita a Porto Velho, que aqui esteve de 11 a 13 de outubro de 1940. Programada para durar três horas, a visita estendeu-se por três dias, tempo suficiente para ouvir comerciantes e líderes políticos que solicitaram uma só reivindicação, a criação do Território Federal do Guaporé.
Protocolarmente, a visita se destinava a inaugurar a usina termoelétrica da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e o prédio dos correios e telégrafos, tendo o capitão Aluízio Ferreira convencido incluir o município de Porto Velho no projeto e de tornar sua sede a capital do futuro território. Quando encerrou sua visita, Getúlio Vargas tinha decidido criar o Território Federal do Guaporé, estendendo sua área territorial ao Amazonas, incluindo o município de Porto Velho.
No dia 13 de setembro de 1943, o presidente Getúlio Vargas baixou o decreto nº 5.812, criando cinco territórios, entre eles o do Guaporé, que foi dividido em quatro municípios pelo decreto lei nº 5.839, de 21 de setembro de 1943: Lábrea e Porto Velho, desmembrados do Estado do Amazonas, Santo Antônio do Rio Madeira e Guajará Mirim, desmembrados do Mato Grosso, tendo uma extensão de 349.178 km², sendo nomeado governador interino, em 24 de novembro de 1943, o Major do exército Aluízio Pinheiro Ferreira, assumindo o cargo efetivamente no dia 24 de janeiro de 1944, na cidade de Porto Velho, em solenidade realizada na Escola Barão do Solimões.
Por ação decisiva das autoridades representativas do Estado do Amazonas e por influências políticas da bancada federal daquele Estado, o território ficou constituído com apenas dois municípios, Guajará Mirim e Porto Velho, além de nove distritos, com extensão de 238.512 km², incorporando áreas geográficas do Estado do Mato Grosso e Amazonas, tendo sido concedido somente em 1946 o direito de ter um representante no Congresso Nacional, através da eleição de um deputado federal. A lei 2.731, de 13 de fevereiro de 1956, veio posteriormente mudar a designação de Território Federal do Guaporé para Território de Rondônia.
Com a chegada do coronel Jorge Teixeira de Oliveira em 1979, militar da boa cepa, tocador de obras e afinado politicamente com o general João Batista Figueiredo, que era Presidente da República, o território passou a ter um surto de desenvolvimento e progresso antes não visto, sendo incentivado brasileiros de todas as partes para ocupar esta região da Amazônia.
O INCRA um papel significativo no chamamento e assentamento de agricultores nas várias regiões do território, sendo que estradas e linhas rurais nasciam de um dia para o outro, famílias inteiras vindo ocuparem a vastidão do Território, devendo-se registrar que em um dos encontros entre todos os governadores do Brasil, quando o coronel Jorge Teixeira foi incitado a falar, o mesmo disse que representava um território pujante e de progresso, mas não tinha a sua bandeira desfraldada, clamando pela necessidade da criação do Estado de Rondônia.
O relator do projeto de lei para criação do Estado de Rondônia foi o então Deputado Federal pelo Estado de São Paulo, Antônio Morimoto, que foi convidado pelo governador Teixeira para vir residir em Rondônia, aqui se encontrando até os dias de hoje.
Após estes necessários relatos, ingressamos no cerne da questão, que é justamente a criação do Estado sem que os domínios das terras públicas fossem transferidas, como seria necessário, nascendo um Estado capenga em que o governo não tem condição de implementar e dispor sobre a maioria de suas florestas e riquezas naturais, isso porque a União, representada pelo INCRA, é quem detém todos os direitos e poderes sobre quase todas as nossas florestas e nossas terras, cabendo a ela o dever de instituir ações e definições sobre os rumos a serem seguidos na legalização e legitimação das terras públicas, enquanto o governo do estado assiste sem poder interferir nas suas decisões.
A deformidade da criação do Estado, desde o seu nascimento, decorre do fato de que, como já dito, não houve a transferência das terras que pertence a União e que anteriormente constituíam-se terras pertencentes aos estados de Mato Grosso e Amazonas. Há, portanto, necessidade de se criar mecanismos procedimentais para a imediata transferência para o patrimônio do Estado, uma vez que, na realidade, é o INCRA quem tem força paralela na administração do governo do Estado, já que, tantas vezes, confrontou-se aos legítimos interesses da nossa população.
Desde a criação do Estado de Rondônia, inúmeros rondonienses de boa vontade insurgiram-se contra essa situação inusitada. Lembro-me que, no ano de 1981, quando conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Rondônia, manifestei publicamente para que na Lei Complementar nº 41 constasse a transferência das terras públicas da União para o Estado, pleito que esperávamos fosse galhardamente defendidos pelos nossos representantes no Congresso Nacional.
A partir de 1988, o INCRA não mais teve liberdade de atuar nas terras públicas federais que havia arrecadado ao longo dos processos discriminatórios, para patrimônio da União. Tinha-se, no Estado de Rondônia, o instrumento, diga-se, pioneiro no país, o zoneamento, estabelecido inicialmente por decreto e, posteriormente, por lei complementar estadual. Registre-se que praticamente todas as terras públicas de Rondônia são de domínio da União, conseqüência dos procedimentos discriminatórios e arrecadatórios ocorridos antes da transformação do Território Federal em Estado federado.
A morosidade e a quase paralisação do andamento dos processos de regularização fundiária da Superintendência do Incra em Rondônia, nos últimos cinco anos, resultou em prejuízos a milhares de agricultores que ficaram impedidos de ter suas áreas de terras rurais legalmente constituídas, impossibilitado acesso ao crédito e transferências regulares, através de escrituras públicas, com perdas também ao erário público, que deixa de receber seus tributos.
Basta observar que até 1995 foram emitidos 31.402 títulos em uma área titulada de 3.653.185,00ha; de 1996 a 1998, 4.152 numa área de 343.794,00ha; de 1999 a 2002, 3.391 em uma área de 230.857,15ha; e de 2003 a 2006, 115 títulos em uma área de 16.949,13ha e Projetos de Assentamentos: até 1995, 27.437 títulos em uma área de 2.714.970,21ha; de 1996 a 1998, 4.015 títulos em uma área de 182.318,79ha; de 1999 a 2002, 7.605 em uma área de 314.933,77ha; e de 2003 a 2006, 382 títulos em uma área de 17.394,39ha.
Resumidamente, o quadro a seguir espelha a distribuição em hectares das terras em Rondônia:
Colonização e Assentamento 4.600.000
Regularização Fundiária 4.000.000
Unidade de Conservação Federal 2.330.000
Unidade de Conservação Estadual 2.425.100
Áreas indígenas (FUNAI) 4.615.000
Áreas urbanas (prefeituras) 100.000
Áreas licitadas (concurso público sem preferência) 1.584.000
Áreas de domínio privado 2.726.000
Área da União 570.000
Demonstrativo dos diversos problemas fundiários que impactam o meio rural do Estado:
Regularização Fundiária (titulação) 16.000 imóveis acima de 100ha
Projetos Assentamentos (titulação) 1.600 parcelas acima de 100ha
Compra de parcelas não reconhecida pelo INCRA 12.000 adquirentes
Ex-beneficiários com ocupações em projeto de assentamento e em regularização fundiária
6.000 famílias
Ocupantes com pequenas atividades não agrícolas 5.000 famílias
Imóveis com inadimplência, pagamento título 28.500 imóveis serão vistoriados
Famílias ribeirinhas 3.000
Ocupações no entorno de 10km das unidades de conservação 3.000 famílias
Ocupações na floresta Bom Futuro 500 famílias
Acampados embaixo de lonas 5.300 famílias
Informações cadastrais dos imóveis rurais de Rondônia, disponíveis no SITE do INCRA, baixada em 22/05/2007, referente à Apuração Especial nº 0058-SNCR-Dez. 2005.
Área total do Estado de Rondônia (ha)
A Área destinada a uso especial (*) (ha)
B Área líquida cadastrável (ha)
A-B Nº Imóveis cadastrados (Un)
Área cadastrada (ha) (**)
23.851.280,000 8.336.790,000 15.514.490,0000 77.025 33.089.213,1
(*) Unidades de Conservação – Áreas Indígenas, Reservas, etc.
(**) Área total cadastrada no SNCR até 2005 supera a superfície territorial do Estado de Rondônia em cerca de 10 (dez) milhões de hectares.
Estas informações podem ser encontradas na Associação dos Servidores do INCRA em Rondônia.
O Estado de Rondônia, através de suas autoridades constituídas, deve imediatamente reivindicar providências da autarquia federal (INCRA), no sentido de que seja dado andamento aos milhares de processos administrativos de regularização fundiária, a quase totalidade parada, sob pena de resultar em sérios e irreparáveis prejuízos para a economia do Estado e desenvolvimento da agropecuária, tendo em vista a inexistência de comprovação dominial das propriedades rurais, não acesso ao crédito agrícola e impossibilidade de maiores investimentos e benfeitorias nos lotes, por insegurança jurídica.
Tenho conhecimento que o Senador pelo Estado do Amapá, José Sarney, após constantes solicitações encaminhadas ao Presidente da República, sendo um político que usa corretamente o seu direito de pressão para obter deferimento de seus pleitos (no seu currículo consta haver sido Presidente da República), conseguiu que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criasse um grupo de estudos para a transferência das terras da União para o estado do Amapá.
Isso deve ser feito também por nosso representantes, lembrando que aquele Estado foi criado muitos anos depois do Estado de Rondônia, devendo nossas autoridades trilharem por esses mesmos caminhos. Isso para que tenhamos condições de auto gerir nosso próprio território e vermos finalmente completada a nossa condição de unidade federativa , não continuando refém dos interesses e da política do INCRA, que em Brasília, distante do conhecimento da nossa realidade, decide quem deva merecer a legitimação e legalização de suas terras.
Finalmente, Rondônia só será completa quando tivermos o tripé federativo, povo, governo e território próprio, faltando ainda a transferência das terras da União para o Estado.
O autor é Advogado