1 – O 3º MANDATO
O apressado - não tem jeito - come cru. Seja porque pretendeu abocanhar a prerrogativa de “pai da criança” antes que “outro aventureiro” lançasse mão dela, seja porque enxergou na iniciativa a chance de emergir do baixo clero, ou ainda porque quis ser mais realista do que o rei, enfim, ao ejetar-se para a fama pautando toda a imprensa do país há mais de uma semana com a tese do terceiro mandato presidencial em meio à tramitação da proposta de prorrogação da CPMF no Senado, o deputado federal Devanir Ribeiro (PT-SP) pode ter atrelado o carro na frente dos bois e – claro – entortado o comboio para a direção do brejo.
Nesta terça-feira (06), depois de dias negociando com o governo o apoio ao imposto do cheque, o PSDB veio público para dizer que a proposta oficial era insuficiente, ridícula até, razão pela qual o partido fecharia questão contra a aprovação da emenda. Não se iluda, no entanto, o leitor. Nessa conversa toda, o que menos importa é o interesse do contribuinte. Ou seja, ninguém – seja tucano, petista, democrata ou o que for – está ligando se o considerado vai pagar ou deixar de pagar mais ou menos imposto. O que está em jogo é o poder.
Não por acaso Rousseau advertiu que a inclinação natural de todo aquele que detém o poder executivo por delegação popular é de se apropriar desse poder, cujo exercício lhe foi confiado. O filósofo não hesita em afirmar que, em todos os países, o governo age e conspira contra a soberania popular, da mesma forma que a vontade particular age e conspira incessantemente contra a “volonté générale”. Pelo que, como adiante se verá, além de não ser novidade entre nossos tapuias, a tentação do terceiro mandato andou rondando morubixabas insuspeitos.
O certo é que, em vez de CPMF, o que rola hoje no Senado é o destino do terceiro mandato postulado pelo lulo-petismo - embora nem Lula nem os petistas o admitam. Mas, se aprovada, estarão criadas as condições ideais de temperatura e pressão para construir a segunda reeleição.
2 – ESTRAGO FEITO
Foi para esta evidência que o PSDB atinou. Por conta do açodamento de Devanir Ribeiro, um deputado federal em segundo mandato originário das raízes lulistas (ex-metalúrgico, sindicalista e dirigente partidário), há dias a grande imprensa tem reservado generosos espaços para especular sobre o assunto, a ponto de ter sido matéria de destaque em nada menos do que as edições de três revistas semanais de informações que estão nas bancas – “Veja”, ‘Época” e “IstoÉ”. Bem que o Palácio do Planalto tentou estancar a incontinência aliada.
Na terça-feira (06), logo depois de uma reunião a portas fechadas no gabinete de Lula – a que estavam presentes o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) o deputado Ricardo Berzoini (SP), presidente do PT, e, naturalmente Devanir – a idéia do terceiro mandato foi classificada de “pauta artificial”, “extemporânea”, “inventada”. E, segundo eles, levantada por dois setores: a oposição e, para variar, a imprensa – ó indigitada depositária de todas as culpas. O estrago, no entanto, já estava feito.
Nesta quarta-feira (07), por exemplo, a seção “Tendências e Debates” do jornal “Folha de S. Paulo” publicou um artigo incontrastável sobre a questão, não obstante assinado por quem, por coerência, não devia – o ex-senador e ex-presidente do PFL (atual DEM) Jorge Bornhausen (SC). “Embora seja uma ação legislativa absurda (emendar a Constituição para criar um tributo provisório que se extingue no dia 31/12/2007), a tramitação da CPMF foi escolhida como biombo para aprovar a segunda reeleição do presidente da República”, escreveu a velha raposa num texto intitulado “Depois da CPMF, o Queremismo”, trazendo como cabeçalho: “A aprovação da prorrogação da CPMF será a partida para o país começar a descer o plano inclinado do chamado ‘golpe institucional’".
“Queremismo” – como explica Bornhausen - deriva de "Queremos Getúlio!", que por sua vez sintetizava a pregação de "Constituinte com Getúlio", que equivalia a "democracia com um ditador".
3 – O MUNDO GIRA
Em 1945, Getúlio já havia se rendido à exigência dos oficiais da FEB que, voltando vitoriosos da II Guerra, não aceitavam que o Brasil vivesse a opressão política fascista que acabavam de derrotar na Europa. Desesperados, burocratas do Estado Novo tentaram uma reação. Não desejavam perder seus cargos e se mobilizaram para conciliar o inconciliável, que era associar o Estado democrático de Direito com a ditadura que estava caindo. Não colou.
Bornhausen é impiedoso com os “queremistas” do PT. “Sem nenhum obstáculo, a implantação de um governo absolutista satisfaz a preocupação natural do grande grupo de incompetentes e desqualificados que, graças ao uso da "estrelinha" partidária, e só por isso, ocupam as dezenas de milhares de cargos públicos de confiança. E não terão o que fazer se perdê-los”. É o maior!
Essa Internet, no entanto, é uma desgraça. Pesquisando-se nela, fica-se sabendo que, em maio de 2002, o PFL concluíra que não teria, num eventual governo Serra (José, então virtual candidato situacionista à Presidência), espaço igual ao que tinha no de FHC, onde era parceiro de fato. E Serra já proclamara que não se aliaria ao PFL apenas por razões eleitorais, uma vez que não pretendia governar, se por acaso fosse eleito, pela cartilha pefelista – como vinha fazendo FHC. E o que fez o PFL? Mandou ver na tese de um terceiro mandato para FHC. E o presidente do PFL, quem era? Ele mesmo, a raposa catarinense. A marmota não foi para frente, não por falta de empenho de Bornhausen, mas porque a eleição seria daí a meses. As voltas que o mundo dá.
“Como tudo no governo Lula - um jogo político em que pouco importam os meios -, tudo é feito apenas para manter e ampliar o poder” escreve Bornhausen. Nada de novo sob o sol. A experiência eterna, de que nos fala Montesquieu, mostra que todo titular de uma posição de poder procura fazer de tudo para se eternizar nela, afastando e neutralizando os rivais a fim de se tornar cada vez mais poderoso. Lula não foge à regra.