ARTIGO - Crônica etílica - Por Hamilton Lima

Da Redação

19 de Outubro de 2007 às 11:31

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ARTIGO - Crônica etílica - Por Hamilton Lima

Foto: Divulgação

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*Uma chuva intermitente teimava em lamber as ruas de Porto Velho. Noite de quarta-feira, período de inverno amazônico. O fim de mais uma estiagem parecia não chegar, apesar do chão molhado, das nuvens cobrindo o céu e do frescor da madrugada premente. *Nas poucas mesas ocupadas conversas preenchiam o ar sobrepujando uma música conhecida. Djavan dividia o espaço acústico com oito mulheres e dez homens. Sobre a mesa uma cumbuca de sopa de galinha e pães decorados com orégano esperava a vez de serem encaminhados ao aparelho digestivo do jornalista. Também compartilhavam o exíguo espaço de material sintético um copo e uma Valquíria gelada, com seus mamilos rosados escondidos pelo rótulo de cerveja nacional. *O jornalista só via os seios, já que para os loiros cabelos da mulher idílica faltava parte do corpo, não desenvolvidos por falta de vapores etílicos em volume adequado. *Uma ratazana sábia do outro lado da rua passeava sobre o muro de casa de classe média buscando talvez alimento. Correu subitamente por três ou quatros metros, fazendo uma curva arrojada sobre o estreito caminho improvisado e voltou para seu esconderijo. Provavelmente junto ao lixo acumulado junto ao pé de banana. *Que tipo de banana seria aquela? Certamente não teria sido contaminado com sigatoka negra. Não, não mesmo. *Uma jovem branca entrou no recinto com uma blusa que mostrava os ombros. Esqueceu das Valquírias geladas que cercavam seu ostracismo. Era uma personagem de Nabokov. Sorriu para seus botões, cúmplices de eras e conquistas noturnas. *A lembrança de conversas em outras noites sobre a insustentável leveza do ser, da alma e da embriaguez fez com que imaginasse o paraíso dos boêmios. Certamente os boêmios teriam um paraíso com cara de inferno. Gente bebendo, realizando sonhos contidos em nuvens de cigarros mentolados, charutos cubanos e mesas cheias de uísque, cachaça e cerveja. Cercado de prostitutas com seus espartilhos pretos ou brancos, conversas com intelectuais de almanaque ou revoltados de plantão. *O sistema o tinha levado a buscar refúgio mais uma vez nos braços da cadeira do boteco, dos acordes mecânicos de quem estivesse contido no disco compacto. Antes já tinha passado pelas vitrolas. A tecnologia não havia retirado a melancolia do ar. A tecnologia não impedia que estivesse perdido na noite rolando dados e jogando bilhar. *Um galo cantou num terreno próximo. Pensou em pedir mais uma canja. Ouviu risos. As luzes pareciam velas dançando. Estava no paraíso. Uma mulher estranha passou mais uma vez ao seu lado. Trajava vestido de estilo frente única. Era o garçom. Por isso não achou graça no movimento dos quadris. Não era feminino mesmo. *Percebeu a necessidade do recolhimento, da nova elocubração de motivos para dormir e disputar com outros seres o espaço vital. Na mídia, na mesa, na massa corporativa. Batalhas mal concebidas. Olhos embaçados concentraram-se no espectro da fumaça de uma mesa próxima. A nuvem espessa corporificou Jenifer. *Sorriu e dormiu suavemente. O dono do bar gentilmente ajeitou um travesseiro para o velho amigo. Baixou as portas e encerrou o expediente. *Hamilton Lima é professor universitário. *- Dedicado aos amigos jornalistas, vítimas da síndrome da imunodeficiência filosófica pós-fechamento de edição.

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