Ao visitar o local, distante 25 km de Porto Velho, na estrada de acesso à antiga Cachoeira de Teotônio, o que mais se vê é mato, pasto e grama pra todo lado. São oito hectares de área e seria necessária uma estrutura, pelo menos, razoável pra deixar o lugar, digamos, com alguma aparência onde seja possível definir o que existe exatamente ali.
Nativos, ou moradores com mais de 15 anos na região, sabem que a área pertence a Comunidade Católica Talita Cumi. Um lugar sustentado pela boa vontade de gente simples e humilde, já que não há investimento ou doadores para deixar a comunidade um pouco melhor estruturada tamanha a diferença que o povo simples da localidade tem feito na vida muita gente.
O lugarejo surgiu há 12 anos, fundado por Francisco Lázaro, conhecido como Laio, que morreu seis anos após a implantação do projeto.
Produtor e músico, Francisco Lázaro, conhecido como Laio.
A intenção era criar um espaço que pudesse atender meninas jovens e mulheres dependentes químicas ou prostituídas. Laio era produtor rural e músico e logo no início da construção das usinas, Porto Velho e Jaci Paraná foram “invadidas” por pessoas em busca de trabalho e oportunidade. Francisco e amigos próximos, como o aposentado Carlos Humberto Rosa, perceberam que entre a multidão de trabalhadores também estavam meninas e mulheres “perdidas” no mundo das drogas e prostituição. Era preciso fazer algo para recuperar essas pessoas, trazê-las de volta à vida.
Foi assim que surgiu a Comunidade Talita Cumi. O nome é uma referência a única filha de Jairo, chefe da Sinagoga em Cafarnaum, ressuscitada por Jesus. A jovem morreu aos 12 anos de idade devido a um problema de hemorragia crônica.
Jesus ressucita filho de Jairo
Jesus passava pelo local quando foi abordado por Jairo, que implorou pela vida da filha. O Mestre foi então até o quarto onde estava a menina, pegou em sua mão e disse em voz alta, no dialeto Hebraico: “Talítha Kum”, ou seja, “menina, eu te digo, levanta-te”. “E o espírito dela voltou, ela se levantou e começou a andar.
Produção
Para conseguir chegar ao objetivo previsto, era preciso buscar um meio de conseguir recursos. A primeira etapa do trabalho foi a compra da área. Depois, a lavoura seria o caminho mais natural, já que a maioria dos moradores da comunidade era agricultor.
Produtor Carlos Humberto Rosa
Algumas famílias se reuniram e começaram uma pequena produção de Maxixe, Quiabo e Jiló. O negócio deu certo e os compradores começaram a aparecer. Mês passado foram vendidos 1800 quilos de Maxixe para a distribuidora de verduras Cleane, que comprou toda produção para entregar em supermercados.
Produção de Maxixe
Hota já cultivada
Mil pés de Quiabo e Mil de Jiló já foram cultivados e daqui a 30 dias a produção também deve ser entregue para a mesma distribuidora.
Artesanal
Embora haja muito empenho dos envolvidos no projeto, todo o trabalho é artesanal, o que exige muita dedicação e paciência. A primeira etapa consiste em colocar as plantas em viveiro onde são semeadas.
Viveiros
Depois, elas passam para a horta. No caso do Maxixe, ele é suspenso para aumentar a produção. Segundo o produtor Carlos Humberto, no chão ocorre muita perda, já que a fruta amadurece rápido demais. No caso do Jiló e o Quiabo, eles são irrigados em sistema de gotejamento.
Sistema de gotejamento
A irrigação da terra, por exemplo, é feita em 300 metros de mangueira de borracha espalhada pelo local. Carlos Humberto afirma que se a comunidade tivesse um trator, por exemplo, a área de cultivo poderia ser bem maior e proporcionar uma boa arrecadação que permitiria a construção de uma casa abrigo. Hoje, cerca de 10 meninas são atendidas à domicílio pela Comunidade Talita Cumi. Antes da pandemia eram aproximadamente 30 mulheres assistidas pelo projeto.
Viveiro
Uma outra atividade para arrecadar recursos, ainda em fase de crescimento, é o cultivo de plantas ornamentais. No momento, a Cajarana e a Palmeira Cika tem sido o que tem dado mais retorno financeiro.
Cajarana
Palmeira Cika
As duas plantas tem bom valor de mercado e são bem procuradas. “ O espaço para cultivo de plantas também pode ser bem maior, mas ainda dependemos de maquinário adequado que nos permita ampliar a área”, explica Carlos Humberto. Desde que iniciou a pandemia, o trabalho do Talita Cumi ficou mais concentrado no auxílio religioso, já que havia limitações por conta dos decretos do governo e o mais prudente era manter distanciamento social.
O retorno das atividades está sendo feito paulatinamente, mas a esperança é que em breve um número bem maior de mulheres possam receber auxílio. A comunidade é originária de um grupo de oração da Renovação Carismática da igreja Nossa Senhora de Fátima, do bairro Areal. Por uma questão de Diocese, é o padre Sérgio, da igreja São José, quem tem feito celebrações na capela de oração existente na comunidade. Os encontros acontecem sempre no último domingo do mês, às 9h da manhã.
Capelinha da comunidade
Capela
A história da capela construída no local, que leva o nome do padre João Nicolleti, é tão inusitada quanto o próprio projeto da Comunidade Talita Cumi. Nicolleti veio morar em Rondônia em 1928 e ajudou a construir a Catedral de Porto Velho. Sua ligação com a cidade é tão forte que ele morreu em Belém do Pará, mas teve o corpo sepultado na Catedral. Além disso, a praça em frente à igreja recebeu seu nome em homenagem ao trabalho social e humanitário feito na cidade.
Ilustração do Padre João Nicoletti
A obra da capela na Comunidade Talita Cumi foi custeada pelo Procurador do Ministério Público de Rondônia, Edmilson Fonsêca. Quando criança, no Piauí, o Procurador diz que teve um sonho onde um missionário chamado João Nicolleti, lhe contou que ele iria morar na Amazônia. O assunto foi esquecido, Edmilson Fonsêca se formou em direito em passou a ser um “concurseiro”. Em 1982, se inscreveu em concurso do Ministério Público de Rondônia, foi aprovado e veio morar em Porto Velho, vindo a ser um dos primeiros Promotores de Justiça do Novo Estado de Rondônia.
Promotor Edmilson Fonsêca
Após a solenidade de posse, o Procurador relata que foi até à igreja Matriz de Porto Velho para agradecer a Deus pelo cargo quando de repente uma “ força estranha” lhe conduziu até um busto de bronze, localizado em frente à prefeitura. Emocionado, conta que ficou perplexo ao ler no busto a inscrição Padre João Nicolleti. A capela, segundo Fonsêca, foi uma maneira de agradecer o sucesso e amizade conquistados em Rondônia.
Quem quiser ajudar ou fazer doações para a Comunidade Talita Cumi o telefone é 69.98118-1092
Comunidade reunida na capela