Anoitecia lentamente naquela época, o agasalho da noite surgia muito longe e vinha em silencia cobrindo o firmamento após fazer uma reverência respeitosa ao sol que com seu casaco colorido e aquecido se recolhia para descansar e ressurgir resplandecente e regenerado na manhã seguinte.
A iluminação elétrica quebrou essa magia própria do anoitecer na roça. Anoitecia sem urgência, era um rito de passagem em que todos percebiam o abraço fraterno e caloroso entre o fim do dia e o início da noite.
A galinhas bicando os últimos grãos de milho antes de se empoleirarem nos galhos da cabaceira. A Gado remoendo em silêncio, chicoteando com a calda as últimas e incômodas mutucas, aguardava o reconfortante cobertor de estrelas que descia suavemente clareando o estábulo.
Os porcos no chiqueiro sempre inquietos e famintos durante o dia, ao anoitecer silenciavam e raramente soltavam um grunhido. Os únicos animais que não tinham direito ao descanso noturno eram os cães, alertas, vigiavam a casa, o estábulo, o chiqueiro e a cabaceira, quase sempre visitada pelas mucuras, iraras e gatos maracajás.
Naquela época, a noite era mais noite, estrelada e com vagalumes, parece que era maior que as noites de hoje com suas luzes artificiais. Mesmo sem vê-los, sabíamos que a noite era habitada por criaturas pavorosas e assustadoras e que nos faziam recolher mais cedo ao conforto da cama.
As noites de hoje são menores, insípidas, coloridas artificialmente e não assustam ninguém, nem as crianças, essas nem percebem que anoiteceu de fato, seduzidas por tantos e variados estímulos eletrônicos acham uma chatice quando a mãe fala: “criança, hora de ir para a cama”, antes, local de descanso, agora local de tormento e castigo.
As noites na roça tinham o lobisomem, a matintaperera, a rasga mortalha com seu voo rasante e assustador sobre o telhado velando nosso sono, o pio da coruja e o uivo dos cães. Era uma sinfonia de sons e ruídos medonhos e implacáveis nos avisando: “permaneçam na cama”, a noite não é uma criança.
A noite hoje definhou, ficou raquítica, medrosa, se esconde na luz pálida das lâmpadas florescentes. Nem notamos mais a presença da lua, naquela época ficávamos eufóricos quando ouvíamos, amanhã vai ser “lua cheia”, era uma maravilha, um acontecimento na roça, a lua subindo no céu feito um balão gigante, se esparramava pelo terreiro e se infiltrava pelas frestas da casa para velar nosso sono.
A noite hoje cabe dentro de uma lâmpada florescente. A crianças da “era dos eletrônicos”, pensa que a lua é uma lâmpada que se soltou do poste e flutua no espaço com pequenas outras lâmpadas que um dia foram chamadas de estrelas.
O dia hoje dura vinte e quatro horas. Na roça, todas as noites víamos algo parecido com “A Noite Estrelada”, do Van Gogh.
Simon O. dos Santos – Escritor.