Réquiem para meu irmão - Por Simon O. dos Santos

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Meu irmão faleceu há quase quatro meses. Nos últimos dias tenho sonhado com ele com mais frequência. Ontem novamente ele veio me visitar, e assim como nas outras ocasiões não o vi, mas sua presença era palpável através de seu cheiro e de sua voz tão reconhecíveis, tão familiares. 
 
Também não me recordo de nenhuma palavra sua, não me importo, já disponho de todas as suas palavras guardadas na memória. É lá que ele vive e me ensina a decantar sua ausência. 
 
- Os sonhos ajudam a elaborar o luto.
 
Beradeiros e beradeiras do Berço do Madeira, é sobre a elaboração do luto a essência dessa narrativa. Lhes asseguro, não será triste, seu esteio central apoia-se no campo fértil da memória e não na perda em si.
 
- Escrever ajuda a elaborar o luto também. 
 
É lá na infância que paira o recorte da memória que ilustra a potência dessa narrativa. Parafraseando o poeta, “toda vez que o adulto balança, ela vem pra me dar a mão”.
 
Minha primeira experiência com as lufadas dolorosas do luto ocorreu-me entre os quatro e cinco anos de idade.  Após o jantar, sentei-me no batente da frente da casa para saborear a sobremesa: a minha chupeta e o meu retalho de fralda cheirando a sujeira.
Beradeiros e beradeiras! Sem aviso prévio,   meu pai se aproximou de mim e retirou abruptamente a minha sobremesa e determinou que dali em diante eu não desfrutaria mais daquela iguaria.
 
Foi uma crueldade, em prantos continuei sentado no batente iluminado pelos vaga-lumes buscando desesperado o olhar caridoso de minha mãe, ocupada demais para dar atenção a uma criança chorosa.
 
- Muitos anos depois, eu soube que a decisão fora dela. Sábia decisão!
 
Inconsolável, chorei durante várias noites seguidas beradeiros e beradeiras!  A chupeta era a mais deliciosa e segura companheira de jornada da minha infância. Embora artificial, representava a continuidade perene das delícias do peito materno. 
 
Com o desmame da chupeta fiquei órfão e fui elaborar meu luto aos prantos, suplicando piedade aos meus pais. Em pouco tempo, beradeiros e beradeiras, a vida se encarregou de curar essa primeira perda, uma espécie de preparação, de ritual necessário para as futuras perdas que acompanham a misteriosa existência humana. 
 
“Tambor de todos os ritmos, o tempo é o maior tesouro que um homem pode dispor”.  E a memória é a centelha divina do tempo, onde revejo meu irmão quando ele não vem me visitar em meus sonhos. 
 
Simon O. dos Santos - Cronista
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