Nossa mãe nos chama: É hora do almoço! - por Simon O. dos Santos

Os almoços dominicais, ou de ocasiões muito especiais, como em comemoração do aniversário de um dos membros da família, ou em datas religiosas e muito festivas, eram um dos momentos familiares mais esperados por todos nós. Eram aguardados envoltos em um misto de singela ansiedade e extraordinário contentamento.
 
 
Nessas ocasiões verdadeiramente “ternas como um abraço”, nossa certeza era inquebrantável quanto à natureza do cardápio. Nossa mãe escolhia uma de suas galinhas do terreiro, geralmente, as que tinham os “pés e pernas amarelas”, pois segundo sua sabedoria sertaneja, “estas tinham a carne mais suculenta e saborosa que as demais”
 
 
Desde criança nós ouvíamos esse “conselho de ouro”. Já adultos, conservamos esse cuidado maternal, “ao comprar galinha caipira, pedimos sempre as que ostentam os pés e as pernas amareladas”.  Ainda sobre as galinhas, nossa mãe desfiava outro rosário afetuoso: “quem vive na roça, tem que levantar primeiro do que as galinhas”. O trabalho incessante, exigia olhos abertos e mãos ágeis e habilidosas desde o despontar do dia, de todos os membros da casa.
 
 
A caudalosa galinha caipira era servida em uma tigela de vidro vermelho transparente, com dobras, muito   parecidas com as quinas das carambolas. Era posta no centro da mesa, fabricada com tábuas desnudas e desiguais, coberta por uma toalha branca, com flores amareladas e miúdas, idênticas e viçosas como as flores do ipê, nas primeiras horas que florescem.
 
 
Em torno da tigela, nossa mãe colocava os demais acompanhamentos do nosso aguardado almoço: arroz branco, limpo por ela no velho pilão de sucupira. Feijão de corda que nosso pai colhia em seu produtivo e milagroso roçado. Farinha branca ou d’água, fabricada nas festivas e alegres casas de farinha da vizinhança. Verduras e legumes que nossa mãe colhia em sua horta cercada de velhas estacas de itaúba e arame farpado. 
 
 
Uma ou duas jarras de suco de cupuaçu, caju, carambola ou graviola, colhidas no nosso frondoso e interminável pomar, que cheirava à flor de laranjeira durante toda a noite.  O doce de coco com leite, amarronzado e de consistência pastosa, era a iguaria mais delicada a compor milimetricamente aquela sinfonia familiar.
Nosso pai era o primeiro a tomar assento na cativa cadeira à cabeceira da mesa, direcionada para a sala de visitas. Os filhos não tinham lugar assegurado, se acomodavam à medida que ouviam o chamado altissonante e encantador de nossa mãe: “É hora do almoço!”
 
 
Poucos minutos depois, degustávamos em silêncio a suculenta galinha caipira dos pés e pernas amarelas, que nossa mãe dezenas de vezes preparou incansavelmente. A medida que o almoço avançava, nossa mãe se aproximava da mesa com um prato na mão e se servia do que restava da galinha, geralmente os pés, partes do pescoço, e raras vezes lhe sobrava um pedaço mais suculento. 
 
 
Ela alegremente saboreava em pé, em torno da mesa, segurando o prato na palma de sua mão direita. Diante de tamanha generosidade e entrega, dois mistérios permanecem indissolúveis, que permeavam nossos almoços e que nunca teremos respostas, ou que talvez somente as mães,  “no silêncio maternal” podem sondá-los prodigiosamente.
 
 
A galinha caipira dos pés e pernas amarelas que nossa mãe preparava cheia de afetos, por menor que fosse, sempre alimentou satisfatoriamente nossa numerosa família. O outro segredo, mais imponderável ainda: “por que nossa mãe nunca reclamou pelo pouco alimento que lhe ficava à mesa, raramente um pedaço de carne mais suculento". Nossa mãe era assim, realizava de forma quase imperceptível o milagre da multiplicação do pão nosso de cada dia. 
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