Lembro-me quando meu avô me colocava em suas
costas e me levava para tomar banho no igarapé que passava
preguiçosamente nos fundos da casa do seu sítio, o Água Branca.
Eu subia em um tamborete e com dificuldades passava para um
alambrado que ficava na parte externa da cozinha, para depois
me pendurar amorosamente em suas costas.
Após esse ritual, que se repetia inúmeras
vezes, meu avô seguia lentamente em direção ao
igarapé, passava por um pequeno pomar, abria o
portão que ficava logo após o terreiro e seguia
pelo caminho margeado pela braquiária baixa e
pelas flores amarelas e brancas que brotavam em
meio à pastagem.
O igarapé que nascia nas matas de seu vizinho descia
sinuosamente por vários quilômetros até enroscar-se
vagarosamente nas águas do Ribeirão. Ao passar pela
propriedade de meu avô, o igarapé demorava-se abraçado aos
grossos troncos dos buritis e de uma imensa castanheira
enegrecida pelas chamas provocadas por um raio que estilhaçou
sua frondosa copa em um dia de tempestade.
Próximo a este local, meu avô construiu uma ponte de
madeira, cujas tábuas estreitas ficavam lambendo as frias águas
do igarapé, toda vez que passávamos sobre elas em direção a
outra margem, onde vicejava o campo e repousavam as represas
de águas turvas, cujas margens foram embelezadas por dezenas
de ipês, bacuris, mangueiras, limoeiros, aroeiras, uxis amarelos,
abieiros, copaibeiras, açaizeiros, jatobazeiros com seus frutos
duros e perfumados, entre outras árvores.
As águas cristalinas do igarapé parece que ficavam mais
reluzentes ainda quando passavam pelo sítio do meu avô. A
ponte começava na parte mais profunda do igarapé. Neste local
cresciam em suas margens uma espécie de gramínea com talos
enormes, em cujas pontas floresciam flores alaranjadas em
forma de tulipas, onde os beija-flores rodopiavam em festa.
Nesta parte do igarapé ficávamos uma eternidade…
Pulávamos da ponte e mergulhávamos por entre as piabas e
lambaris, às vezes nos enroscando nos musgos e lodos
esverdeados e gelatinosos que brotavam dos caules e das raízes
das gramíneas de flores alaranjadas.
Mesmo com muito frio, seguíamos repetindo o mesmo
ritual… Pulando da ponte e voltando da água para a ponte, e
assim sucessivamente, por horas a fio. Às vezes corríamos pela
pastagem, para em seguida voltarmos alegremente para o
trampolim que nos lançava extasiados para os seguros braços das águas do igarapé do meu avô.
Autor: Simon O. dos Santos - Texto extraído do livro “ Causos e Crônicas do Berço do Madeira”, publicado em 2022.