Predestinação, não! - Nonato Melo

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Não faz muito eu conversava com um amigo que há vários anos não via, desde que concluíramos a faculdade de Letras. Duas horas depois de nos despedirmos seu parente próximo, então Secretário Municipal, morria em um violento acidente na rodovia, ladeado pelo tido como certo futuro prefeito de Porto Velho.

O sujeito, este último, era um político sério, dinâmico e compenetrado. Dizem nesses casos a velha máxima, de que chegara sua hora. Com a devida venia à família e amigos, discordo.

Encontramo-nos em um restaurante. Lá ficamos jogando conversa fora e rememorando fatos e situações marcantes, como a viagem nossa com outros estudantes universitários para o ENEL, Encontro Nacional de Estudantes de Letras, em Campina Grande, Paraíba, em 1992. Lá, cada noite era uma festa diferente no campus da UFPB, até alguns esticarmos à atraente Natal.

Depois se juntaria a nós por acaso e convite meu um turista alemão, enfermeiro em Berlim, que estivera até ali meio perdido, querendo encontrar a praia de Genipabu e por quem nossas animadas colegas se interessariam, e as aventuras nas praias potiguares fluíram. Ah, a vida de universitário...

Eu passei a não pagar mais nada, pois sendo o tradutor, dei um jeito de o germano bancar minha despesa, pra inveja do pessoal. Ele por sua vez se mostrava agradecido, afinal tinha moeda forte e era sucesso entre as garotas. Mulher brasileira adora estrangeiros.

        Até hoje desconfio que só escapamos de ser presos no restaurante de um sujeito amazonense na Ponta Negra por sermos estudantes, diante do “por que parou...?” e alguma exaltação maior de dois dos nossos sobre a mpb que rolava no ambiente. Quem quiser especule, só nunca saberá quem... Mas sei que o alemão não precisava se assustar tanto quando o pegamos à força e o atiramos na água do mar, depois do dito restaurante, e que ele também jamais seria a pessoa que furtou o dinheiro desse meu amigo agora reencontrado, após nossa noite dormida o grupo inteiro em um kitinete próximo à praia.

        Duas semanas depois, eu soube que o simpático alemão havia falecido em casa, após sofrer uma queda. Parece que a viagem foi a sua última, e nós lhe proporcionamos momentos extravagantes nos trópicos que ele certamente contou aos seus. Mas se o passamento estava previsto, discordo.

Nego fè à tal da predestinação. Uma pessoa morre, cai, escapa, fere, enfim, tudo ocorre dentro de uma sequência de causa e efeito. Eu não teria ganho em sorteio os dez mil reais em material de construção na loja Agro Boi em 2009 se não me tivesse faltado comprar três pacotes de argamassa na reforma do banheiro de minha filha, com isso preenchido um só cupom e o jogado na grande piscina plástica da loja, entulhada deles... O prêmio era pra ser meu? Acho que não, mas pra quem tivesse aquele número de bilhete.

A doença que nos acomete tem uma explicação de sua origem e força, como o submarino que emerge, o navio afundando e o avião não caindo, levando Arnaldo ao seu destino e ele enfim poder beijar a namorada. Não se morre porque chegou a hora, assim é fácil.

Parece que o pano de fundo deste discurso, e aí também se vê a teoria simples da causa e efeito, reside em o homem querer suprimir sua absoluta inaptidão para prever o futuro, e somente após ocorrer o fato, ele querer dominá-lo com a falsa impressão de que já estava previsto. Se não sabia prever antes, menos ainda pode agora explicar o fato como previsível. Pior, pré-determinado. Fácil, religiosa e tolamente pretensioso.

Não morremos quando chega nossa hora porque simplesmente não existe nossa hora. Nem mesmo o fato de que a mãe deste amigo reencontrado no ambiente comedor já havia falecido também em um trágico acidente automobilístico me parece poder conduzir a essa tal predestinação. A lei elenca diferentes explicações, como problemas técnicos, mecânicos, imperícia ou negligência; a natureza muda os ambientes e os torna causadores de problemas ou maravilhosamente convidativos; a fé então varia por demais, com muitos anunciando que Deus levou, Deus quis assim e eu por mim sigo resistindo a crer em um Deus que mata. Fico com aquele do amor. O espiritismo analisa mais a forma como se viveu, se vive, enquanto pressuposto para o nível de evolução espiritual futura; ordens secretas a chamam de fatalidade aceitável e esclarecedora; muitos a têm como passagem para a salvação ou condenação eterna...

Mas que o Roberto Carlos, o meu desafeto do futebol ou o filho querido da irmã mais nova do seu chefe já têm hora prevista para o além, outros já estão até agendados e com reserva marcada nos aposentos de lá me parece por demais distante de se conceber.

Não me arvoro a pensar como Nietzsche, que ironizou ao chamar os especialistas de doutos e a ciência de gaia, vendo nela jocosidade. Tampouco aceito - e nisso acompanho o confrade tricolor das laranjeiras Nelson Rodrigues - o risco de aderir às multidões e comprar, cativo, suas verdades, no que somente não chego a classificar como burras as unanimidades. Mas adiro fácil ao Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, clamando para lhe tirarem dali a metafísica.

Do que o homem já soube, e nisso me surpreendo amiúde, ele tem plena consciência que lhe falta infinitamente saber mais, não se buscando também aqui parafrasear Sócrates. Mais até mesmo do que o universo, que um dia já havíamos teorizado em dizer que tem fim. Entretanto, é certo que ainda não chegamos sequer a engatinhar no saber da morte.

 

 

O autor é advogado
Direito ao esquecimento

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