
ANDERSON BRAGA HORTA – Brasília, DF – Nossas homenagens
Mineiro de Carangola (17 de novembro de 1934), brasiliense desde 1960. Poeta, Contista, ensaísta e crítico literário. Compôs o primeiro poema em Leopoldina, MG, no ano santo de 1950.
INVENÇÃO DA NOITE
Deste silêncio e desta treva
construo a minha noite
particular e intransferível.
Não preciso inventar as estrelas,
elas cem e brilham por si mesmas.
E à meia-noite uma lua triste
levanta a cara de prata no horizonte
e verte nos meus olhos um choro , um frio.
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SOL COM CHUVA
A chuva são dragões mordendo o tempo,
finos dragões de dentes d’água e vento.
O sol, guerreiro que os feriu nos lados
com sete curvos irisados dardos.
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BOLHAS
Sobre o céu – invertido lago –
debruço-me, esperando a tarde submergir.
A mão da noite vem e desprega do fundo
as estrelas, que de uma em uma sobem
e rebentam à tona como bolhas.
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HAICAI
a noite tremeu
caiu de repente
Da mão esquerda de Deus.
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CANTO
O canto são dois rios confluindo no lábio.
E teu olhar desata as minhas fontes.
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PRECE
Sofro de medo de sofrer.
Como custa e como dói crescer.
Saber-me divino,
e temer.
Perdoa-me, Senhor,
a minha pequenez.
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UNIÃO
À noite a insônia deita-se comigo.
Dessa união nascem meus poemas e minhas olheiras,
meu deslumbramento noturno,
meu fascínio ante o mistério,
meus medos e minhas vagas
difusas frágeis crenças.
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LIMPEZA
O tempo, tricotando as horas,
tece tapetes, tece tapetes.
E na sala indimensional
estende-os sob suas redes.
Alguém se deita, alguém se levanta,
alguém já nada pode.
O pó de sapatos já sem rumo
infiltra-se no assoalho.
Alguém diz: “Sei que nada valho”,
alguém grita: “Sei que tudo posso”;
alguém se levanta, alguém se deita,
e a sala nunca está vazia.
Uma criada muda incessante –
mente circula entre os transeuntes;
vai varrendo as poeiras que jazem.
Lixo que, como toda criada,
sob os tapetes de silêncio
cuidadosamente acumula.
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