Viajar é sempre uma gnose. Voltar para casa depois de viajar é um estorvo. O corpo sente saudade dos lençóis do hotel, da comodidade de ter café da manhã a uma ligação à recepção de distância. A sensação que impera, depois de voltar de viagem, é que os corredores da casa estão mais estreitos, que os pés direitos estão mais baixos. O escritório, agora ainda mais entediante, se transforma em uma câmara de tortura.
Viajar, literalmente, é um verbo transitivo - sair de um lugar para ir para outro. Mas, além das asas artificiais do avião e das quatro rodas do ônibus, existem outras formas de viajar - mesmo sem sair do lugar.
Viajar na maionese é, obviamente, uma opção barata e óbvia mas pouco atrativa para alguns. Empatia também é uma viagem - uma que é definida pela mudança de perspectiva. Segundo a sociologia, ‘empatia’ é se enxergar do ponto de vista alheio. Enxergar com empatia é olhar para os lados igual um turista em uma nova cidade.
O Maps Street View, ferramenta de pesquisa e visualização de mapas lançada pelo Google em 2005, é uma das formas que o internauta consegue se transformar em viajante sem levantar a bunda da cadeira. Em uma rápida busca na ferramenta de pesquisa, Porto Velho é descrita como uma cidade populosa e quente. Na capital rondoniense, através das telinhas brilhantes, notam-se quedas de árvores e casas destelhadas e buracos com lama e organizações criminosas.
No Maps, é possível enxergar um retrato do município composto por milhares de fotografias panorâmicas feitas de duas formas: por fotos oficiais capturadas pela equipe do próprio Google e por registros feitos por usuários da ferramenta.
O Rondoniaovivo perambulou pelas ruas de Porto Velho utilizando a ferramenta e tenta, nesta reportagem, enxergar a capital pelos olhos de um turista cibernético.
Centro
“É bom pra ir pra praça, mas eu não acho seguro.”, disse José dos Anjos, 20 anos, ji-paranaense que mora na capital há 14 anos.
Pelo Maps, a área central de Porto Velho partindo da Praça das Três Caixas d'Água, a cidade é tida como tímida. Com avenidas largas pouco arborizadas e casas de muros baixos sem cerca elétrica, o Centro da capital parece manso, mas pessoalmente é o lar de dezenas de escritórios de advocacia, restaurantes caros e de algumas vilas militares.
A vida no Centro da cidade é calma e prática, menos quando é onze da noite e os moradores de rua rodeiam a Praça Marechal Rondon enquanto as almas solitárias esperam o último 112 - Mariana.
Zona Sul
A única paróquia jesuíta de Porto Velho se encontra no bairro Caladinho, na zona Sul da capital. Espremida entre as ruas Angico e Algodoeiro, a Paróquia Santa Luzia é difícil de ignorar dentro do Street View. Na rua próxima à arquidiocese é possível ver uma feira livre, onde senhorinhas trajando vestidos de helanca florida compram bananas e abacaxis aos montes.
O Caladinho nasceu como toda boa invasão - em silêncio. Oficialmente estabelecido no mesmo ano da queda do muro de Berlim, é impossível andar pelo bairro sem dar de cara com uma igreja. Inicialmente um subúrbio residencial, no Caladinho também há espaço para comércio e pontos culturais.
Poucas praças e bancos são vistos pelos viajantes cibernéticos que vadiam pelo Caladinho, mas templos de adoração são avistados por todos os lados. Bares e igrejas evangélicas são encontrados aos montes.
Em uma placa de um grupo de Alcoólicos Anônimos, lê-se: “Se seu caso é beber é problema seu! [Mas] Se seu caso é parar de beber, é problema nosso!”.
Zona Norte
Dentro do antigo Alphaville, atual Flodoaldo Pontes Pinto, é possível espiar casas de classe média alta. Algumas com painéis solares no telhado, quase todas com portões vazados de treliça. Diferente de outros bairros da cidade, a arquitetura observada no Flodoaldo não é resultado de projetos de ocupação militar ou invasão popular.
Arame farpado e cercas elétricas dominam o bairro que é cercado por condomínios de classe média. Pelo Maps é comum ver lixo em terrenos mal cuidados e campinhos populares.
Zona Leste
“Jesus é bissexual”, lê-se em uma pichação nos muros da EEEFM Risoleta Neves, que fica localizada av. José Amador dos Reis, que corta o bairro Tancredo Neves, na zona Leste de Porto Velho.
O Tancredo é frenético e parece ser uma cidade dentro de uma cidade. Nos passeios pelo Street View, muitas farmácias são avistadas. Lojas de assistência técnica de telefones celulares e pontos de x-lanches também dominam o bairro nomeado em homenagem ao primeiro presidente eleito após a ditadura militar.